quarta-feira
– Olá! Como vai?
– Eu vou indo. E você, tudo bem?
– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E você?
– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo...Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é, quanto tempo!
– Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
– Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é...quanto tempo!
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
– Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa, rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir, vai abrir...
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Adeus!
– Adeus!
– Adeus!
Posso dormir envelhecer
Desesperar quase morrer
Posso parar pousar
Tropeçar e nunca mais voar
Posso cair chorar
Tentar me levantar e escorregar
Posso nos magoar e sofrer
Fazer tudo para remediar a correr
Posso lembrar e tentar esquecer
Paradoxalmente viver a sofrer
Posso mudar por dentro e por fora
E ficar igual na essência agora.
Faz de conta que trabalhamos, faz de conta que somos felizes, faz de conta que nos amamos, faz de conta que somos inteligentes, faz de conta que pagamos os impostos, faz de conta que sabemos do que se trata, faz de conta que não cobiçamos a mulher do próximo, faz de conta que não vimos a novela, faz de conta que somos.
Vamos fazer de conta que somos nós mesmos um com o outro durante duas horas?
terça-feira
segunda-feira
Aqui Bóbó, ali as 40 concubinas
Tenho 42 anos de idade, dizem-me que tenho 42 anos, a sociedade diz-me que é este o meu tempo de vida até ao momento presente, mas é a mesma sociedade que me diz as afirmações mais ridículas e tão fora da minha mais sentida realidade, que se esta minha realidade tivesse forma de medir o tempo e se essa forma fosse medida em anos, talvez eu não tivesse este número, 42.
Trabalho numa tabacaria, e isto não foi preciso ninguém me dizer, porque muito cedo na minha vida, mais propriamente quando a sociedade me dizia que eu tinha 12 anos, o senti muito verdadeiramente na minha pele.
Hoje, sou dono da tabacaria, mais propriamente, hà três anos bem medidos que sou dono desta tabacaria, tudo porque o meu pai morreu e eu herdei-a, não morreu de cancro no pulmão ou de ataque de coração como se podia supor, mas morreu de tédio, porque quando a sociedade lhe dizia que ele tinha já 68 anos de vida, o que ele sentia que não tinha era energia para fazer mais vezes companhia às 40 senhoras que moravam, e moram, nos dois pisos acima da nossa tabacaria.
A fonte da minha sobrevivência e do vício de uns tantos outros fica na entrada de um prédio com três pisos, mais propriamente no número 2 da travessa dos prazeres, nos dois primeiros pisos do prédio, existia, e existe uma grande casa onde moram e trabalham 40 maravilhosas senhoras, costureiras que remendam vidas já rotas e encardidas.
Meu pai e elas, e agora eu e elas, somos assim como sócios, todos os clientes que se servem dos serviços destas maravilhosas senhoras, compram inevitavelmente um maço de cigarros antes de subir e muitas vezes outro depois de descerem, mesmo o meu pai e mais recentemente eu, que nunca fumámos, sempre que lá vamos a cima, conviver com estas 40 concubinas, levamos um maço de cigarros, é mais ou menos como uma senha, parece que para lá ir, à toca destas gueixas, é necessário a chave certa. E eu por sorte vendo-a, mesmo à porta. Não deve existir melhor negócio que vender chaves à porta da mesma que está fechada, que vender drogas ao pé de pessoas envoltas de conflitos interiores, que vender armas ao pé de pessoas cheias de conflitos exteriores; e por isto eu e meu pai, bem como qualquer presidente dos EUA temos algo em comum, somos donos de um dos melhores negócios do mundo.
Se bem que nós nunca morámos numa casa branca, a nossa infelizmente sempre foi bem cinzenta, talvez por isso sempre gostámos tanto dos dois pisos acima da nossa mais conhecida divisão, porque a casa das nossas concubinas é vermelha.
A tabacaria sempre foi a divisão mais conhecida por mim e pelo meu pai, mais propriamente porque
passávamos aqui dentro muito tempo, tempo sentido; mas também porque sempre nos dividiu, é que eu sempre gostei mais de vender a portugueses suaves, e ver as suas expressões ao subir e ao descer do nº2 1ºandar da travessa dos prazeres, e o meu pai sempre quis vender a english special players.
Quanto à minha mãe, é tudo mais complicado, nunca a conheci como tal, nunca a conheci como sendo minha mãe.
O meu pai contou-me tantas histórias diferentes acerca dela que cedo percebi que tudo o que ele me dizia não passava de grandes fábulas ou sonhos ou desejos de como ele sonhava ou queria que ela fosse.
Penso mesmo que a minha verdadeira mãe será uma das nossas vizinhas e sócias, a senhora Jolly que tem neste momento 65 anos de vida, mas que tem uma vida tão vivida para a qual o número 65 não é nada.
Nunca quis ter a certeza se serei filho da madame Jolly ou não, mas existe dentro de mim essa certeza e isso basta-me.
Até aos meus 12 anos estive num colégio interno, só estava com o meu pai aos fins-de-semana e por isso nunca o conheci muito bem, nem me lembro de até aí o ter visto com alguém, até esse momento ele, para mim, era a pessoa mais sozinha do mundo, nunca consegui imaginar sequer que ele talvez tivesse um outro mundo onde vivia aos dias da semana.
Saí do colégio com 12 anos, tudo porque já estava farto daquela minha realidade, rodeado de filhos de empresários, diplomatas, economistas, no fundo até aos meus 12anos vivi rodeado de filhos de criminosos e foi nessa altura que tive a primeira e talvez mais importante conversa com o meu pai, mais importante talvez por ter sido a primeira.
Disse-lhe que queria ir trabalhar para a tabacaria, de início ele não gostou da ideia, mas lá aceitou e foi desde então que comecei a conhecer verdadeiramente o pai que tinha.
Nunca o vi com outras mulheres que não fossem as nossas 40 vizinhas ou a senhora Rosalina que vende legumes num pequeno estabelecimento três prédios depois do nosso.
A dona Rosalina é uma mulher baixa, um pouco gorda mas com uma genica e energia invejável, para quem fuma três maços de cigarros por dia como ela. Sempre senti que também ela tinha certas invejas na vida, e a maior de todas era não ser companheira de vida das nossas 40 fantasias vivas. Só que a casa da madame Jolly só tem lugar para estas 40 almas e então o tempo foi passando e a dona Rosalina nunca conseguiu vaga.
No entanto conseguiu aceitar esse obstáculo à sua felicidade, conversando e bebendo e fumando e ouvindo meu pai e as suas histórias ocorridas no nº2 da travessa dos prazeres, tenho mesmo a sensação que algumas vezes meu pai deve ter acedido aos insistentes pedidos da dona Rosalina para ele lhe mostrar de uma forma mais carnal o que realmente acontecia naquele abrigo contra a sociedade.
E meu pai deve ter-lho mostrado de bom grado.
Ontem em conversa com a Jolly, uma mulher que é mais que minha mãe, é aquela pessoa que tem que existir na vida de todos nós, aquela pessoa que nos sabe ouvir e com quem é fácil comunicar; eu dizia-lhe que o único erro que a vi cometer na vida, foi o de nunca ter aproveitado as qualidades da dona Rosalina, dando-lhe uma oportunidade. É que a Rosalina é uma mulher que devido à sua experiência de vida, sabe tratar de uma forma muito especial qualquer legume, ela sabe arranjar grelos, ela sabe descascar tomates, e existem poucas pessoas que misturem tão bem grelos e tomates, fazendo uma salada inimaginável.
Fui conversar com a Jolly e estou a contar-vos esta história, porque preciso falar acerca desta minha vida, dizem-me que tenho 42 anos, sei que sou dono de uma tabacaria, sei que tenho um mundo e uma realidade minha, realidade essa que tem sido harmoniosa e simples de viver, todos os problemas que tenho tido nesta minha vida, têm sido daqueles problemas inevitáveis e que por não terem solução nem são verdadeiramente problemas, coisas como a morte do meu pai, ou um cliente mal disposto que descarrega em mim, uns dias que amanhecem a chover quando tudo o que eu queria era viver um dia de sol.
Tinha uma vida simples e sabia vivê-la, tinha tudo o que queria e sonhava, tinha o meu negócio, tinha as minhas vizinhas e os meus amigos, tinha 40 lindas mulheres que me fazem companhia em qualquer altura, tinha-me a mim.
Só que hà dois meses atrás aconteceu o que nunca tinha acontecido antes na minha vida, e que já nem me lembrava que poderia acontecer e que até já tinha parado de sonhar que acontecesse.
Há dois meses a mais maravilhosa das desgraças atracou na minha vida.
Faz dois meses que me apaixonei.
Chama-se Linda, quer dizer a sociedade diz-me que ela se chama Joana, mas é a mesma sociedade que me diz que uma relação entre um homem de 42 com uma mulher de 22 anos é impossível, a sociedade que me diz que um homem sozinho hà tanto tempo já não sabe estar acompanhado, a mesma sociedade que me diz que uma mulher linda nunca se vai apaixonar por um homem tão banal como eu, no fundo a mesma sociedade que me diz que não é nem inteligente nem tão pouco verosímil ou tão só realizável eu sentir aquilo que sei que sinto. Por isso acho que já provei claramente que ela se chama Linda.
Foi há dois meses, não fazia ainda 5 minutos que tinha aberto a tabacaria, como já andava a dormir mal, como se a minha alma já pressentisse o que estava para acontecer. Nesse dia acordei bem cedo, abri a tabacaria era ainda 7:45 da manhã, é nestas alturas que sempre me pergunto porque é que ainda não vendo jornais também.
Passado alguns minutos, ainda eu não tinha tido oportunidade nem sequer necessidade de ligar a máquina registadora, entra pelo prédio e pára junto ao balcão da tabacaria, uma mulher linda, linda e com certeza linda, linda de seu nome.
Não foi preciso mais que isto.
O que já sentia que não seria inevitável acontecer, inevitavelmente aconteceu.
Ela olhou para mim de uma forma ao mesmo tempo tímida e atrevida, o meu coração começou a bater mais forte, a minha tabacaria que nem 2 metros quadrados tem, passou a ser igualmente gigantesca como claustrofóbica, mas lá consegui chegar ao balcão e perguntar-lhe se ela desejava algo, aliás como era minha presumível obrigação. Ao que ela respondeu medrosamente que talvez eu a pudesse ajudar, depois de eu me predispor a isso ela lá conseguiu dizer a que vinha.
Perguntou-me se eu sabia onde era a casa da madame Jolly.
Ainda não fazia dois minutos que a inevitável paixão tinha chegado à minha vida. Desembarcada na linha 42 da estação da mesma e já me trazia a primeira dúvida, a primeira ansiedade cruel, depois de me ter dado uma ansiedade atrevida e estimulante, trazia-me agora um monstro que consumia o meu interior mais longínquo.
Não sabia o que sentir ou pensar, percebi logo à partida que afinal até eu tinha preconceitos em relação às minhas vizinhas e esse foi só um dos primeiros alicerces da minha estação que ela destruiu, a seguir senti como a minha tabacaria era pequena e suja e como este espaço onde existo hà tanto tempo é tão pouco atraente ou estimulante, estava destruído o segundo alicerce e para terminar a demolição senti como sou já um homem velho e desinteressante. Fui ao fundo.
No estado em que estava nem sei se lhe quis, ou não, dizer o que disse, mas lá a informei que para ir a casa da madame Jolly era preciso apenas seguir em frente.
E pronto, aquilo que já era tão seguro para mim, aquilo que eu já conhecia tão bem, e onde já me tinha habituado a viver, ou seja a minha realidade estava assim desmoronada.
Nunca tinha estado tanto tempo sem ir a casa da minha amiga Jolly e nunca me tinha sido tão difícil de entrar neste espaço onde hoje escrevo e onde entro desde os meus 12 anos como ontem, ou hoje.
E é isto que a paixão afinal faz a um homem, finalmente percebi porque é que certos homens que são meus clientes bem como da madame Jolly há tantos anos, têm um aspecto perdido, pesado, triste mas ao mesmo tempo sonhador e inebriante.
Porque afinal de contas, as mulheres são a razão da vida e da morte, da alegria e da tristeza, da angústia e do entusiasmo, no fundo são a razão da realidade de qualquer homem, mesmo de um vendedor de cigarros, velho e banal, sujo e desinteressante, pobre e pouco culto ou inteligente mas sempre e sempre sonhador como eu.
Objectos dos dias atrás dos dias
Companheiros de um quotidiano quase sempre igual
Quase sempre insignificantes, mas sempre presentes
Mesas de café, sempre iguais, amórfas
Cigarros que se fumam sem prazer
Tempo que passa por passar, sem marcar
Espaços que se esquecem, mas ocupam lugar
Numa memória cheia de imagens esquecidas
Pesada, difícil de transportar
Porque existem poucas coisas com tanto peso como o vazio
E todos os dias são iguais, mais uns quilos de vazio
Que enchem, transbordam, corroiem a nossa infinita memória
E será que amanhã me lembro realmente desta mesa?
Ou será que ela vai apenas ocupar mais espaço
E fazer com que as mesas de amanhã sejam lembradas de igual forma
Quero viver cada momento
Lembrar cada sentimento
Lembrar cada cigarro
Sentir todos os cheiros
E Continuar…
Continuar a escrever em todoas as mesas desta minha vida
Vivida, sentado
Estou um pouco cansado de meias palavras, do diz que me disse, de estarem sempre a tentar ler nas minhas entrelinhas, e estou cansado também de tentar escrever nelas.
Estou farto das pessoas não serem directas.
Mas adoro sinónimos e muitas vezes levar à letra o que se lê ou ouve, pode ser um erro.
Por exemplo, ontem recebi este sms : “Para a semana já estarei melhor. Agora estou no maior broche de todos. Beijo”, a primeira vez que li a mensagem pensei, que sorte, ou que inveja, mas o maior de todos? Como assim? Quantos centímetros?
Só depois me lembrei que, sem eu conseguir perceber como ou porquê, a palavra broche também pode ser algo de mau, de trabalhoso, de chato. Como é que é possível compreender a língua portuguesa?
sexta-feira
Veio cá ao atelier o electricista, não tem um pelo na cabeça, é careca. Era preciso arranjar uns candeeiros de tecto que já não davam luz. Diz ele:
- Não é preciso desligar o quadro geral.
A secretária ao ver, que com o quadro da luz ligado toda a gente pode continuar a trabalhar responde:
- Nada disso, ainda apanha para aí um choque e fica com os cabelos em pé.
Vai chegar, um dia.
Um dia vai chegar, em que vou acontecer.
Não vai ser o dia que vai acontecer em mim ou para mim, vou ser eu que vou finalmente acontecer.
Acontecer em mim.
“se é tão grande a alma… algum dia eu vou finalmente acontecer.”(José Mário Branco)
“O cansaço de todas as ilusões e de tudo que há nas ilusões – a perda delas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perdê-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.” (Bernardo Soares)
São sete horas da manhã, o despertador já devia ter tocado. Que se passa com este despertador? Mas afinal que horas são? Já nem o comprimido me põem a dormir.
Trim!!!!
Agora sim, são sete horas.
Levanta-se da cama, tem que ir acordar as crianças, elas tomaram banho ontem à noite, mas ela toma banho de manhã, enquanto as crianças percebem que um novo dia chegou.
Acorda primeiro a mais nova, que demora mais tempo a levantar-se, com a mais velha, apenas uma ordem já chega. Já viveu tempo suficiente para perceber como as coisas funcionam, com a mais nova ainda é necessário algum carinho.
Às sete e meia os cereais e o leite têm que ser introduzidos no organismo, antes das oito da manhã, todos têm que estar dentro do carro para seguir viagem.
Curva e contra curva, transito, aselhas, buzinas e notícias alarmantes no rádio, mais transito, mais mortes, mais roubos, mais juros, mais terroristas, mais raptos.
Entre as oito e um quarto e as oito e meia as crianças ficam na escola, no portão da entrada a auxiliar de educação informa a encarregada da mesma de que a directora da escola pretende ter uma palavra com ela. Apesar do tempo nunca parar, e do patrão já ter reclamado pelo menos uma vez esta semana, sobre a sua hora de chegada, ela não diz não e entra na escola para a tal palavra.
A directora da escola é curta, directa e grossa.
-passa-se alguma coisa em sua casa? A sua relação com o seu marido está bem? É que a sua filha mais nova tem tido reacções muito agressivas e revoltadas.
Pelo menos ainda alguém dá mostras de observar o que se passa à sua volta, é o que sente.
- sim é verdade, eu separei-me faz pouco tempo.
O tempo é sempre relativo.
- mas penso que elas estão a reagir da melhor maneira possível à situação, fico-lhe agradecida pelo cuidado.
São nove horas quando sai da escola e na verdade devia era estar a entrar no emprego, melhor dizendo, devia estar a sentar-se à secretária, com um sorriso nos lábios e uma voz feliz e apelativa para atender o telefone. E como o tempo só anda para a frente, e ainda tem a auto-estrada, parada à sua espera, já sabe que vai chegar atrasada e começa então a imaginar todos os diálogos possíveis e imaginários que vai ter com o patrão. A minha filha mais nova caiu na rua e feriu o joelho. O meu marido está doente e tive que ir à farmácia. Houve um acidente na entrada da auto-estrada. Tive um furo.
Trabalha das nove e meia até à uma e meia, já não se lembra o que disse ao patrão mas lembra-se que o mesmo não acreditou numa palavra. Já não se lembra o que fez durante essa manhã, mas lembra-se que às onze já só queria voltar para casa.
À uma e meia da tarde sai do escritório para ir almoçar com duas colegas de trabalho.
-e aquela mãe que matou os filhos?
-ontem fui aquela loja nova no shoping que está em promoções, comprei duas camisolas e uma camisa de noite muito sexy por vinte euros.
-não devia comer estas porcarias, estou cada vez mais gorda.
Às duas e meia da tarde está de volta à secretária, ao telefone, com o mesmo sorriso nos lábios de toda a semana e o patrão contínua com o mesmo ar sisudo de sempre.
Na revista cor-de-rosa que tem na gaveta, uma fotografia de um actor de telenovelas novo, faz surgir um suspiro no seu peito.
Depois de alguns telefonemas atendidos e encaminhados, depois de algumas cartas para fornecedores, depois de algumas reuniões agendadas, depois do hotel marcado para o patrão passar o fim de semana com a amante, o relógio da parede chega finalmente e a muito custo às cinco e meia. É hora de saída.
Não há condição financeira para deixar mais tempo as crianças na escola em actividades extracurriculares e por isso às seis ela tem que estar na escola. Quase nunca o consegue e por várias vezes foi já avisada para o facto.
Hoje a regra voltou a ser regra e não foi excepção. Eram seis e dez da tarde quando chegou à escola, as duas brincavam no recreio, a mais velha fugia da mais nova e não lhe dava a boneca, a mais nova chorava e corria atrás da irmã que ria.
Dentro do carro a discussão sobre a boneca continua, todo o mundo gira em volta desta boneca, Galileu estava errado. Ela nem sabe de que boneca as crianças falam. Tem que correr, vai deixar as filhas a casa da mãe, hoje é quarta-feira, é dia das filhas jantarem em casa dos avós, para ela poder ir ao curso de espanhol. Tem trinta e oito anos e não quer ficar sempre no mesmo sítio, pensa que se aprender uma língua estrangeira vai conseguir um emprego melhor e ganhar mais dinheiro. Mas não gosta de espanhóis e não consegue ter prazer em aprender a língua deles. No curso de espanhol existe em homem mais velho que a olha de uma forma diferente, ela gosta de ser olhada assim, mas não gosta de ser olhada assim pelo colega. Vive em completa dualidade mas a aula de espanhol no serão de quarta-feira continua a ser um dos pontos mais altos e esperados da semana.
São quase sete da noite quando deixa as filhas com a mãe, a mãe já tem uma sanduíche preparada para ela, como fazia nos tempos em que era criança. Come a sanduíche no carro enquanto guia para o curso e às sete e meia da noite está sentada na sua cadeira com uma mesita acoplada no lado direito, está tudo errado neste mundo, é canhota.
O dito colega não aparece, sente um misto de tristeza com alívio.
Às oito e meia da noite a aula de espanhol acaba. Despede-se da professora e dos restantes colegas, a maioria dos quais nem o nome lembra.
Antes das nove está de volta a casa dos pais, para ir buscar as filhas. Já jantaram, ainda não fizeram os trabalhos de casa e ainda não tomaram banho, e agora é de extrema importância para a continuidade da vida neste planeta, verem os desenhos animados até ao fim. O tempo começa a acabar. A energia também e a paciência já é uma memória longínqua.
Arrasta as filhas de oito e seis anos para o carro e ganha duas inimigas de morte por duas horas.
Às dez e meia da noite ambas estão na cama, amuadas, mas com o banho tomado e os trabalhos de casa feitos.
Ela prepara o pequeno-almoço do dia seguinte, toma banho, bebe um copo de vinho branco que tem no frigorífico e que a faz lembrar os primeiros tempos de namoro com o ex-marido. Senta-se em frente à televisão, não quer ver nada. Liga o computador, não está ninguém na net com quem queira falar. Pensa em telefonar ao ex-marido, mas apesar de desejar falar com ele, não quer lhe telefonar. Vai deitar-se, ainda pensa em não tomar o comprimido, mas depressa muda de ideias. Adormece.
E amanhã, não vai ser outro dia, vai ser o mesmo.
quinta-feira
She makes me so unsure of myself
Standing there but never talking sense
Just a visitor you see
So much wanting to be seen
She'd open up the door and vaguely carry us away
It's the customary thing to say or do
To a disappointed proud man in his grief
And on Fridays she'd be there
And on Wednesday not at all
Just casually appearing from the clock across the hall
You're a ghost la la la
You're a ghost
I'm in the church and I've come
To claim you with my iron drum
la la la la la la
The Continent's just fallen in disgrace
William William William Rogers put it in its place
Blood and tears from old Japan
Caravans and lots of jam and maids of honor
singing crying singing tediously
You're a ghost la la la
You're a ghost
I'm the bishop and I've come
To claim you with my iron drum
la la la la la la
Efficiency efficiency they say
Get to know the date and tell the time of day
As the crowds begin complaining
How the Beaujolais is raining
Down on darkened meetings on the Champs Elysée
A tasca é uma loja das antigas, aquele espaço que fica à altura da rua, onde os bois viviam com o seu carro, por debaixo das pessoas. Tem duas portas, uma muito grande e dividida em três, por onde os bois saiam com o seu carro, e uma mais pequena, por onde as pessoas entravam e saiam. Entre elas existe uma parede sozinha e quase insignificante ao olhar, mas que é uma das razões principais para as portas abrirem e fecharem.
Hoje é uma tasca, todos entram e saem por uma qualquer porta, não sei se bois, não sei se pessoas. Eu estou sentado de frente para as portas e observo a rua. É noite.
Um homem surge por trás de mim e quase choca comigo, não fala e segue em frente. Estará bêbado? Choca com a parede insignificante.
Um homem quase cego sai da tasca pela porta grande e vira à direita, desce a rua, no preciso instante em que atravessa o meu campo de visão através da porta pequena, cruza-se com uma mulher de óculos escuros, ela dá quatro passos e para no centro do meu raio de visão através da porta grande, o homem já não o vejo. Ela dá meia volta e volta para trás, atravessa o meu campo de observação pela porta pequena e desce a rua. Foi atrás do homem, encontrou-o. Estarei cego?
quarta-feira
terça-feira
segunda-feira
domingo
No fim-de-semana, as coisas não são assim tão diferentes dos dias da semana. É verdade que não vai ao emprego, mas não é verdade que não trabalhe. É verdade que não almoça num café nem tem conversas fúteis e banais com as colegas, mas almoça em casa e vai ao café em frente à porta do prédio, ter conversas ridículas e inúteis com as vizinhas. É verdade que não tem que levar as filhas à escola, mas quase todos os fins-de-semana as tem que transportar, ou para casa do pai, ou a uma festa de um qualquer colega, ou a casa de um dos avós.
Ontem, sexta-feira, estava tão cansada e em baixo que recusou um convite de um casal amigo para jantar e em vez de um copo de vinho, bebeu três, e em vez de um comprimido, tomou dois. Conseguiu dormir até às nove e meia da manhã, acordou fisicamente mas sentia-se num limbo, deve ter sonhado toda a noite mas não se lembra.
Da sala vem a toda a velocidade e no quarto entra com toda a força, o som da televisão, os desenhos animados que em nada a animam, e a discussão das filhas sobre que canal ver.
Era tudo tão mais simples quando só haviam dois canais, sem escolha.
O dia amanheceu cinzento, promete chuva. Já tantas promessas ficaram por se cumprir na sua vida, tem a roupa da semana para lavar, e a mesma vai ter que secar para que ainda neste fim-de-semana seja passada a ferro, há uma semana inteira que vem aí.
Enquanto vivia com o ex. Marido, as finanças ainda davam para ter uma empregada uma vez por semana e para mandar engomar a roupa fora. Mas agora, com duas rendas para pagar, é completamente impossível, nem sequer há diálogo ou vontade.
É assim, pelos vistos o amor ou a falta dele também são factor importante para a hierarquia das classes sociais.
Levantou-se sem fazer barulho, ou tentou, é uma fugitiva dentro da sua própria casa, mesmo sem a presença dele, agora são as filhas, se a ouvirem a pé, uma grande quantidade de pedidos ordenados vão surgir na sua consciência, e ela, a consciência, não a vai deixar ficar leve, indiferente ou absorta a eles.
Não sabe dizer não, nasceu na classe média e nela sempre viveu. Se tem nascido pobre, muito cedo tinha aprendido, não posso, não tenho, não consigo. Já se rica tivesse surgido neste mundo, não quero, não gosto.
Aprendeu que no meio é que está a virtude, não consegue descobrir que virtude é essa, e existem dias em que deseja não ter virtude alguma, nem vergonha nenhuma, nem nada. Hoje o que ela mais deseja é o nada, mesmo que ainda o sinta como um pesado vazio, hoje é por esse vazio que suspira.
Mas não o pode ter.
Consegue tomar banho calmamente, sem ser interrompida. Apesar da vontade de se masturbar, não consegue se libertar da realidade que julga existir ao seu redor, e sempre que ao de leve lá toca, é no ex. Marido que pensa, isso dói-lhe, dá-lhe um sabor amargo na boca e humidade nos olhos. Desiste.
Apesar dos pesares, toma o seu banho e ele dá-lhe uma sensação de leveza e rejuvenescimento.
Sai da casa de banho e dirige-se para a cozinha, a finalidade é preparar algo para o seu pequeno almoço, pelo caminho ouve:
- mãe tenho fome
A leveza que ganhou no banho, dá-lhe forças para interagir com a realidade por impulso:
-acho que já sabes muito bem onde está a comida nesta casa e o que deves comer.
-não me apeteceu preparar
Questiona-se se já nascemos acomodados ao facto de estarmos vivos, o porquê de todos ao seu redor lhe parecem amorfos e sem iniciativa.
Prepara três sandes mistas com manteiga, com pão do dia anterior, que torra ligeiramente, faz um café e tira dois iogurtes do frigorífico.
Tudo em cima de um tabuleiro de plástico vermelho é transportado para a sala e chegando lá ouve a critica e o julgamento, uma não queria queijo a outra queria leite e não um iogurte. Já vive com a certeza que nunca nada, nem ninguém ao seu redor está ou no mínimo mostra-se satisfeito.
É a ela que nada satisfaz.
Uma imagem qualquer, que não consegue contextualizar e que lhe surge na consciência vinda da televisão, traz-lhe à memória o cão que vivia no largo onde ela viveu com os pais os primeiros doze anos da sua vida. Não recorda o nome do cão. Lembra-se da tristeza que sentiu quando mudaram de casa, para uma casa melhor, não era um rés-do-chão e era num prédio grande, novo, não tinha dois quartos, agora o pai podia ter um escritório e trazer trabalho para casa.
Ela, aos doze anos, perdeu a rua para brincar, o prédio grande e chique, ficava no que os pais chamavam de avenidas novas, essas novas avenidas eram largas e grandes e nelas não haviam miúdos de idade dela a brincar, muito menos segurança ou escala para sentirmos a rua como nossa, era simplesmente grande demais, de súbito, aos doze anos o mundo ficou enorme e ela começou a sentir-se cada vez mais pequena.
Nunca mais viu o cão, não se recorda do seu nome.
Ao menos o fim-de-semana tem isto, algum tempo para divagar por memórias aparentemente inúteis.
São onze da manhã quando o telefone toca. Do outro lado do auscultador a voz é a do ex. marido. Diz-lhe que não vai poder estar em Lisboa no próximo fim-de-semana, por questões de trabalho, dá-lhe uma razão sem ela lhe ter pedido nenhuma, pede-lhe para ficar com as miúdas neste fim-de-semana e não no próximo.
Se os tempos fossem outros ela decidia e as crianças obedeciam, hoje ela pergunta às filhas se têm vontade, hoje as crianças decidem, apesar de ter combinado com uma amiga ir para a praia no próximo fim-de-semana e talvez pernoitar pelo Meco.
Ao meio-dia a campainha toca, o ex. marido não sobe, as crianças descem e ela fica sozinha em casa, sem planos, só, com obrigações, sem objectivos, só, com o quotidiano, sem sonhos, só, com os seus próprios pesadelos.
sexta-feira
frases de Gabiru (1)
ela: sabes, estou numa fase que cada vez gosto mais de estar comigo!
Gabiru: como eu te compreendo, eu também cada vez gosto mais de estar contigo!
Abraçar a vida, saber aceitar o que ela te dá, e isto não é dizer: ficar resignado ou deixar de lutar, construir algo melhor.
Nunca deixar de procurar o sorriso mais sincero que existe dentro de ti, encontrá-lo e trazê-lo aos teus lábios e com eles olhar nos olhos do outro que contigo interage.
Observar tudo, dar atenção a todos, a tudo, ter consciência do máximo e saber aceitar o que és. Em cada momento que sentes que és.
Saber dizer não e conseguir dizer sim com vontade e prazer.
A única coisa importante é gostares de seres o que és.
O único desejo válido, é o desejo de continuares a gostar ser quem és, quando de súbito mudares, porque tudo está sempre a mudar e nada consegue se manter eterno, idêntico, no passar do tempo, e na vida que corre, quase sempre desgovernada.
Não existe governo para a vida, a vida não é uma ditadura nem uma democracia, nem um estado membro, a vida é energia e amor. E no amor não há leis nem regras nem ordem, no amor há, simplesmente.
“E afinal o que importa é por ao alto a gola do peludo, à saída da pastelaria, e lá fora rir de tudo, no riso admirável de quem sabe e gosta, ter lavados e muitos dentes brancos à mostra”
Afinal o que importa é sorrir.
Afinal o que importa é viver, viver intensamente, dar tudo o que tens e pôr tudo o que és naquilo que fazes e vives, de nada vale guardar, o guardado ganha mofo o vivido construí memória e ensina-te a viver algo mais.
"A Rita levou meu sorriso
No sorriso dela
Meu assunto
Levou junto com ela
O que me é de direito
E Arrancou-me do peito
E tem mais
Levou seu retrato, seu trapo, seu prato
Que papel!
Uma imagem de são Francisco
E um bom disco de Noel
A Rita matou nosso amor
De vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não
Mas causou perdas e danos
Levou os meus planos
Meus pobres enganos
Os meus vinte anos
O meu coração
E além de tudo
Me deixou mudo
Um violão"
e agora eu pergunto apenas duas coisitas, primeiro como é que a Rita deixou o violão mudo? será que roubou a inspiração ao rapaz? será que lhe partiu o violão na cabeça? segundo, se a Rita matou o amor de vingança, é porque alguma ele lhe fez, vingança de quê?
quinta-feira
We wanted to find love
We wanted success
Until nothing was enough
Until my middle name was excess
Somehow I lost touch
When you went out of sight
When you got lost into the city
Got lost into the night
I was in need of help
Heading to blackout
Till someone told me "run on in honey
Before somebody blows your goddamn brains out"
You shoplifted as a child
I had a model's smile
You carried all my hopes
Until something broke inside
But now
We float
Take life as it comes
We float
Take life as it comes
So will we die of shock?
Die without a trial?
Die on Good Friday?
While holding each other tight
This is kind of about you
This is kind of about me
We just kinda lost our way
We were looking to be free
But one day
We'll float
Take life as it comes
We'll float
Take life as it comes
But one day
We'll float
Take life as it comes
terça-feira
segunda-feira
sexta-feira
quinta-feira
Don't get any big ideas
they're not gonna happen
You paint yourself white
and feel up with noise
but there'll be something missing
Now that you've found it, it's gone
Now that you feel it, you don't
You've gone off the rails
So don't get any big ideas
they're not going to happen
You'll go to hell for what your dirty mind is thinking
Terá sido ontem o dia que vai ficar gravado na história, como o dia da morte da indústria discográfica? É possível que sim.
Também é verdade que uma banda como os Radiohead, com a carreira construída que já têm, com o número incalculável de fãs pelo mundo fora, onde me incluo. Na verdade nunca gostei muito de ser fã disto ou daquilo, sempre fui é mesmo do contra, mas em relação aos Radiohead, foi sempre mais forte a admiração pela sua música que o desejo de ser do contra. Ia eu a dizer que para uma banda como os Radiohead, é possível uma acção como a que tomaram ontem.
Por outro lado, para quem está a começar neste momento uma carreira, o difícil mesmo, pondo de parte a questão do talento e dor e do suor necessários para a criação e uma obra, é a divulgação. Todos sabemos que os artistas muito pouco ou quase nada ganham com a venda de CD’s e que os mesmos são primordialmente um meio de captar ouvintes para os espectáculos, e que o número de vendas de um determinado CD serve primordialmente aos artistas para que as rádios e televisões passem as suas músicas e assim paguem pelos direitos de transmissão. Assim, para quem começa, começar por vender a sua música na Rede ao preço que o cliente quiser pagar, parece-me a mim algo de muito inteligente, mata dois coelhos com uma cajadada só, por um lado aniquila com a industria discográfica e com o monopólio que sempre tiveram. Já pensaram quantos músicos fabulosos podem ter ficado pelo caminho apenas porque não conseguiram encontrar um editor com ouvidos? Por outro lado dá uma forte machadada na moda de puxar música da rede a torto e a direito, música que na maior parte das vezes não é ouvida sequer e à qual não se dá o devido valor e atenção.
Os Radiohead ao perguntarem ao publico quanto querem pagar pelo download do álbum, estão ao mesmo tempo a perguntar: Queres realmente ouvir?
E quem me conhece já me deve ter ouvido dizer que as opiniões são como os rabos, toda a gente tem uma, e quem quer dar, dá. A minha opinião não tem mais ou menos valor que as outras, mas como a quero dar… a minha opinião é que vale realmente muito a pena ouvir, mas nunca ouvir apenas uma vez. É mais um dos álbuns dos Radiohead que deve ser ouvido algumas vezes, que vai entrado em nós a cada audição, que deve ser ouvido da primeira à última música, de seguida. E mais uma vez provam a razão do porquê de não aceitarem vender músicas avulso em sites como o iTunes.
É claro que vai sempre existir aquela música, ou a outra, mas os álbuns dos Radiohead são um todo, uma história, um percurso de emoções; principalmente desde Ok Computer.
Ao longo do tempo e dependendo do meu estado de espírito ou do momento da minha vida, as minhas músicas especiais de cada álbum vão mudando. No Ok Computer foi durante muito tempo o No Surprises e o Karma Police, depois o Paranoid Android e hoje o Exit Music (For a Film) é a que me arrepia mais facilmente. Tem sido sempre assim com todos os álbuns deles.
Hoje, e depois de umas dez audições do In Rainbows, Nude, House Of Cards e Reckoner são os meus temas, mas Videotape ou Jigsaw Falling Into Place são lindos. As letras são fortes e para quem não percebe a dicção do Thom York, que é o meu caso, aqui fica um link, se é que já não conhecem.
Boas Músicas.
quarta-feira
Isto deixou-me a pensar um bom bocado, e continuo... :
1-"A compaixão está em contradição com as emoções tónicas, que elevam a energia do sentimento vital; a compaixão tem uma acção depressiva. Quando alguém se compadece, perde a força. Pela compaixão aumenta-se e multiplica-se o desperdício de energia que o sofrimento, por si próprio, já traz à vida." (Friedrich Nietzsche)
2-"A vida é negada pela compaixão, a compaixão torna a vida ainda mais digna de ser negada" (Schopenhauer)
3-"A maior ameaça à compaixão é a tentação de sucumbir às fantasias de superioridade moral. Estimulados pela efusão do altruísmo desinteressado que mostramos em relação aos outros, podemos começar a acreditar que somos seus salvadores. Surpreendemo-nos assumindo humildemente a identidade de alguém que foi escolhido pelo destino para curar as dores do mundo e mostrar o caminho da reconciliação, da paz e da iluminação. As palavras com que aconselhamos uma pessoa aflita imperceptivelmente se transformam em exortações à humanidade. As sugestões de um plano de acção que damos a um amigo convertem-se em cruzada moral" (Stephen Batchelor)
O meu já cá canta, até agora sinto o mesmo que senti em quase todos os albuns dos Radiohead, depois da primeira audição: isto é bom mas ainda não entrou como vai entrar um dia destes.
terça-feira
Encruzilhadas, palavra pela qual sinto uma especial atracção, uso-a muito, num poema um pouco mais atrás, neste blog, lá está ela.
Cruzamentos, esquinas.
Desde sábado que toca em repeat no meu carro a música do Jorge, que fala um pouco disto tudo, e da forma maravilhosa como ele escreve. Depois existe também a minha já mencionada paixão por comboios, e lá estão os pouca terra na música do Jorge também.
Mais os pianos, amigos de longa data.
Prometi-lhe não a “encavacar” mais. Gosto de tentar cumprir com as minhas promessas, mas odeio fazê-las, não gosto de prometer nada. O prometer tem a ver com o futuro, eu quero viver o presente, não me interessa saber o que vou fazer ou deixar de o fazer amanhã, interessa-me sentir e saber o que estou a fazer agora. E neste momento escrevo sobre a encruzilhada de ontem.
Vou reencontrar-te noutro bar de estação, pensei eu numa estação de comboios é claro, errado, reencontrei-te no bar da estação de serviço.
Podia ter saído do atelier mais cedo, ou mais tarde. Tanto tinha pouco trabalho para acabar com urgência, como tinha trabalho para desenvolver e adiantar. Sai às dezanove e um quarto (19:15).
Podia não ter ido dar um beijo às minhas sobrinhas e saber da vida delas, e podia apenas ter dado o beijo e ido embora, mas fiz cócegas e elogiei os ténis novos.
Podia não ter parado na estação de serviço para alimentar o depósito do carro, afinal de contas tinha gasolina para chegar ao meu destino, mas não tinha para voltar e ainda tinha algum tempo. Tinha combinado estar no bairro às nove (21:00), eram oito e pouco (20:…).
O cartão de Multibanco podia ter funcionado na porcaria da bomba, mas por mais vezes que tentasse, e também podia ter tentado só uma, a mentecapta da bomba só dizia: cartão ilegível.
Alimentei o depósito e fui pagar no interior da estação de serviço.
Estavam umas quatro (4) pessoas na fila, dois lugares à minha frente e na véspera de ser atendida, de costas para mim, estava uma mulher que me atraiu de imediato.
Deve ser linda, ela. Observo com mais atenção e de súbito caiu em mim. Não pode ser… ao chegar a sua vez consigo ouvir a sua voz e pronto, era mesmo ela.
Agora até mesmo sem a reconhecer ela me atrai e eu que lhe prometi que não a “encavacava” mais. Quer ser comigo aquilo que já é. Pelos vistos tem menos ambição que eu.
Cumprimentamo-nos, tento sorrir-lhe cá do fundo, mas se lhe prometi que não a “encavacava” mais, como é que lhe posso sorrir de outra forma que não a de quem se quer encruzilhar com ela.
E pelos vistos já somos dois a querer o mesmo, eu e o acaso. E logo agora que já tão raramente me sinto sozinho, o acaso decidiu acompanhar-me.
Disse-lhe de onde vinha, mas não lhe perguntei porquê. Na verdade já pouco me importa as minhas razões ou as razões dos outros. Quantas vezes procurei a razão? Quantas vezes senti eu, ter a razão? Tenho cá para mim que foram exactamente e matematicamente as mesmas vezes que sofri com as consequências.
Ela disse-me para onde ia, e foi.
segunda-feira
sábado
O carro continua no mesmo lugar onde o deixei ontem, é dentro dele que me sinto em casa, sou um nómada. Boa tarde, desculpe, sabe me dizer onde fica a Rua Teixeira de Pascoais? É perto do cinema King. A loja está fechada, não vou conseguir comprar a t-shirt.
Sigo para o bairro, vou ter com a minha prima. Paro na Fnac, vou comprar o Anticristo de Nietzsche. Não resisto, levo o ultimo CD do Jorge Palma.
Na auto-estrada quando começa a tocar a musica cinco, eu não levo cinco segundos a sentir que estava a chegar a mim, mais uma daquelas musicas do Jorge, que me arrepiam, que me trazem lágrimas aos olhos de emoção, é Bela.
Olá! Sempre apanhaste o tal comboio?
Eu já perdi dois ou três
Entre o ócio e as esquinas
Ganhei o vicio da estrada
Nesta outra encruzilhada
Talvez agora a coisa dê
O passado foi à história
Cá estamos nós outra vez
Conheço a tua cara, mas não sei o teu nome
Eu escrevo já aqui, não sei o quê, arroba-ponto-come
Vou-te reencontrar noutro bar de estação
Ou talvez quando perder mais um avião
O barco vai de saida, tu estás tão bronzeada
É tão bom ver-te assim, ardente,
Tão queimada
Eu quero reencontrar-te noutra esquina qualquer
Sem saber o teu nome ou se ainda és mulher
Quero reconhecer-te e beber um café
Dizer-te de onde venho e perguntar-te porquê
Sorrir-te cá do fundo, subir os degraus
Eu quero dar-te um beijo
A cinquenta e tal graus
Quero reencontrar-te noutra esquina qualquer
Sem saber o teu nome ou se ainda és mulher
Quero reconhecer-te e beber um café
Dizer-te de onde venho e perguntar-te porquê
Sirrir-te cá do fundo, subir os degraus
Eu quero dar-te um beijo a cinquenta e tal graus
Sempre apanhaste o tal comboio?
Já perdi dois ou três
Entre o ócio e as esquinas
Ganhei o vicio da estrada
Nesta outra encruzilhada
Talvez agora a coisa dê
O passado foi à história
Cá estamos nós outra vez
Cá estamos nós outra vez
quinta-feira
É uma associação de apoio social e pedagógico.
Tem por finalidade primeira, prestar apoio a todos os níveis às vítimas.
O segundo objectivo da associação é a realização de debates e cursos para atingir a finalidade de conseguir sobreviver às Ritas.
quarta-feira
Apesar dos pesares, e vamos lá de uma vez por todas perceber que pesares existem sempre, eu lá continuo a acordar bem disposto. Não me perguntem como ou porquê, eu cá não faço a mais pequena ideia de onde me vem esta alegria e esta energia que me faz acordar com um sorriso nos lábios à meses, e que me faz encarar a vida com bom humor, porque isto se não for para rir, é para quê? A vida é mesmo uma piada e tem imensa piada.
Hoje deixo aqui duas músicas, de que não gosto nada, que também me trazem algumas memórias, principalmente a do Lionel Richie, a minha irmã a ouvir esta treta que nem melodramática é, e a ouvir, e a ouvir, e a ouvir…. Já a do Stevie Wonder, foi com ela que conheci o senhor, hoje acho que é a pior musica que ele alguma vez compôs, existem outras de que gosto e dou-lhe valor.
Deixo aqui as duas, porque hoje me ajudaram a viver a minha vida com humor e bem disposto, que aliás é como a tenho vivido. Obrigado Música.
terça-feira
Existem musicas que marcaram a minha memória no passado, de uma forma tão concreta e intensa, que o tempo passa e sempre que as volto a ouvir, consigo sentir o mesmo que senti nesses momentos.
Estrada até Aljezur, ford fieta branco de dois lugares, vidros abertos, o Hugão ao meu lado, sempre com medo dos carros mas comigo nunca o senti muito stressado, hoje já anda no seu smart "à abrir". Férias grandes, amigos e o Alentejo todo por nossa conta, até ao Algarve para terminar na ilha de Tavira, sem horários, sem obrigações, apenas a vontade de estarmos juntos sem nada para fazer, praia, copos, discotecas manhosas, cartas, snooker, matraquilhos, tendas e parques de campismo, muita folia.
Esta musica vem sempre acompanhada da memória de estar no carro a descer para sul, com o Hugo ao meu lado e os dois a cantar, eu mais aos berros que ele.
BUT WE DON'T KNOW WHERE WE'VE BEEN
AND WE KNOW WHAT WE'RE KNOWIN'
BUT WE CAN'T SAY WHAT WE'VE SEEN
AND WE'RE NOT LITTLE CHILDREN
AND WE KNOW WHAT WE WANT
AND THE FUTURE IS CERTAIN
GIVE US TIME TO WORK IT OUT
We're on a road to nowhere
Come on inside
Takin' that ride to nowhere
We'll take that ride
Feelin' okay this mornin'
And you know,
We're on the road to paradise
Here we go, here we go
We're on a ride to nowhere
Come on inside
Takin' that ride to nowhere
We'll take that ride
Maybe you wonder where you are
I don't care
Here is where time is on our side
Take you there...take you there
We're on a road to nowhere
We're on a road to nowhere
We're on a road to nowhere
There's a city in my mind
Come along and take that ride
and it's all right, baby, it's all right
And it's very far away
But it's growing day by day
And it's all right, baby, it's all right
Would you like to come along
and you could help me sing this song?
And it's all right, baby, it's all right
They can tell you what to do
But they'll make a fool of you
And it's all right, baby, it's all right
[x2]
We're on a road to nowhere