sexta-feira





Todos os dias caminhava ao longo do rio, reconhecendo tudo pelo seu reflexo nas límpidas águas. Árvores acenantes, pedras deslizantes, pássaros cantantes, céus nublados ou azuis, tudo visionava no espelho sereno mas corrente. Naquele dia, algo cortou essas imagens. Uma figura singular, quase imersa, desviava-me a atenção. Jurei a mim mesmo nunca me atrasar aos meus deveres, mas o magnetismo daquele corpo nu desviava-me do cumprimento. Aquela beleza sobejava na paisagem, afogava os outros sentidos e fazia crescer um desejo. Tocar-lhe era imperativo, não apenas pela ânsia da concretização mas também pela confirmação de que era real. Com receio de acordar a sedutora passiva, aproximei-me lentamente, com os passos sorrateiros a que habituei aquele lugar. Estava prestes a tocar na sensualidade ali repousada, a pousar minhas mãos nas curvas de uma volúpia incerta, a sentir a pele fresca da juventude e os seios firmes de uma certa inocência. O ímpeto sobrepunha-se à moral e a corrupção à consciência. Já quase com o sentimento de posse a dominar-me, a mulher agarra-me com firmeza e mergulha-me nas águas que se vão turvando. "Seria castigo? Sou punido por sucumbir à harmonia e à natureza?". Foi a dúvida que se formou antes da sua mão de sereia me privar do meu derradeiro fôlego.

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