ElMau

Imagem a contextualizar #03 - by PAC

Não! Não sou livre como eles, pois não tenho aquele orgulho e desprezo que eles me dão.

Só sei caminhar de um lado para o outro. Caminho com um casaco igual ao de todos os outros. Cobre-me o corpo mas não me cobre a vergonha. A vergonha de ver a que ponto chega a estupidez Humana. É por isso que não! Não sou livre como eles, pois não tenho aquele orgulho e desprezo que eles me dão.

O meu olhar é cabisbaixo, mas que posso eu fazer? Não me deixam daqui sair. Não me deixam daqui fugir. O medo controla-me e dele não me consigo abstrair. Estarei condenado a receber ordens de uma criatura a quem todos têm medo de questionar? Porque me fazem isto? Porque se revoltam eles desta forma comigo? Pois não! Não sou livre como eles, pois não tenho aquele orgulho e desprezo que eles me dão.

Nem deprimido estou. Sonegaram-me o meu direito à depressão. Sonegaram-me o direito de beber descontroladamente. Aquele direito a pensar de forma diferente ou de me envolver numa aventura amorosa. Tudo me foi sonegado, pois tenho de estar aqui. Por isso mesmo não! Não sou livre como eles, pois não tenho aquele orgulho e desprezo que eles me dão.

Que avançada civilização de 1000 anos será esta, encabeçada por um demónio? De onde surgiu ele e como conseguiu roubar a bondade existente no mundo? Deus, não te revolta esta tirania? Ou serás o mais tirano que todos eles? Devolve-me a minha liberdade para poder morrer da forma que quero. Por favor não digas que não! Que não sou livre como eles, pois não tenho aquele orgulho e desprezo que eles me dão.

Mas como me posso redimir? Sou um simples soldado. Cumpro ordens da criatura a quem todos têm medo de questionar. Sou fraco e cobarde por isso, bem sei. Mas não consigo superar as minhas limitações. Não consigo formalizar a ideia existencial da culpa, tão-somente porque não cumpro as ordens da minha consciência. Cumpro as ordens do demónio. Foste tu que me roubaste a minha culpa sombria miúdo? Claro que não! Não sou livre como tu, pois não tenho aquele orgulho e desprezo que tu me dás.

Mas chegará o dia em que algo de extraordinário acontecerá. A minha consciência será livre como a tua. A minha arma será substituída por esse guarda-chuva e terei a liberdade de o abrir. Mesmo que não chova, terei a liberdade de o abrir. E nesse mesmo dia poderei pisar as pedras desta calçada com o mesmo orgulho e desprezo que todos vocês me dão.