segunda-feira

Imagem a contextualizar #06 - by ElMau



Fotografia de Henri Cartier Bresson

Naquela noite, Clyde conseguiu finalmente dormir. O comboio estava silencioso, a viajem ia ser longa, nove longas horas de movimento em frente e o silêncio do motor e dos carris a embalar, o baixar da adrenalina que não parava de subir há três dias e duas noites.
Adormeceu agarrado a Bonnie e à chave da mala que viajava por debaixo do banco.
Sonhava, ainda com todas as aventuras recentes, com os perigos e as fugas, durante o sonho ia tendo espasmos, de emoção, eram as réstias da adrenalina a fugir do seu corpo, quase estrangulava Bonnie, sua paixão de sempre. O seu único bem e verdadeiro.
Mais facilmente perdia a chave, com menos dificuldade podia ter levado a chave e a mala, Bonnie não iria ser capaz.
Dormia agarrado à sua vida, com toda a sua força, ali naquela noite era claro, Bonnie era a sua outra metade, aquilo de que sempre sentiu saudade e falta, antes de a encontrar. A mala era o que ambos tinham construído juntos, o fruto do seu amor.
Viajavam no presente, entregues um ao outro, unidos quase presos, eram um só presente e viajavam com o futuro por debaixo do banco.
Tinham assaltado um banco e o casino Rio Uruguay em “Paso de los Libres” pequena cidade situada na margem ocidental do rio Uruguai na província de Corientes, na Argentina.
Há quatro dias atrás estavam em Uruguaiana, viajavam sem destino, e somente com um objectivo, viverem o presente juntos.
Lá, ouviram falar várias vezes da cidade de Libres, situada do outro lado da ponte.
Ambos sabiam que queriam ser livres, livres sempre.
Atravessaram a ponte, roubaram o banco, fugiram, esconderam-se.
Três dias depois decidiram roubar o casino também. Libres sempre foi uma cidade pobre, o banco pouco dinheiro tinha.
Assaltaram o casino e fugiram, conseguiram apanhar este comboio, e agora viajam à minha frente em direcção a Tartagal.
Em Tartagal, cidade do norte da Argentina, iriam encontrar uma fotografia perdida num banco de jardim, encontrariam nesse dia um novo objectivo, um pouco mais longínquo, Machu Picchu.
Atravessaram a fronteira para a Bolívia, viajaram ainda três semanas sempre por cidades pequenas e pouco povoadas, assaltaram mais um banco na Bolívia e a ultima vez que consegui sentir o seu paradeiro, estavam a chegar à estação de comboios de Machu Picchu.
...
Sempre soube, depois do momento em que eternizei este sonho, este dormir, este amor, que Bonnie e Clyde iriam viver sempre em fronteiras, a desafiarem os seus limites, dormiriam quase esganados, amar-se-iam até três fôlegos depois do último, sonhariam sempre atingir o que o acaso lhes sorria.

Fotografia encontrada no banco de jardim em Tartagal

Estação de comboios de Machu Picchu

4 opiniões:

Maura disse...

Desaparecer aqui... :)

Anónimo disse...

aqui vai a contextualização da fotografia numero 6!

Aqui vamos nos em mais uma viagem. És cão vadio, és viajante. Perdi a conta das milhas que percorri, não me lembro daquelas que faltam ainda percorrer sei que são ainda muitas, mas decorei o mapa não há-de haver problemas de maior para dar com o caminho. Entro por carrilhos falsos atalhos, mas acabo sempre por voltar a estrada principal. As vezes quase que te avisto, as vezes encontro-te naquilo que és para mim. Naquilo que fazes de mim tão alta que não caibo em mim na pequenês do meu corpo estendido de prazer e cansaço por entre o teu.
Adormeço na calma do teu amor. Adormeço madrugada adentro no cheiro da tua pele que me transborda do corpo. Durmo na calor de um corpo de estrelas, porque não ha corpo em que o meu encaixe melhor. Os meus movimentos desenhados em proporção dos teus na cor de ser contigo.

Anónimo disse...

E assim começa a discussão. Salta-se de um assunto para o outro, começam as acusações.
- Já se sabe, é sempre assim: disseste...
- Não, nunca disse uma coisa dessas!
- Estás a chamar-me mentirosa!?
Sinto que não tarda a rebentar uma daquelas disputas terríveis em que apetecia matar-me ou matá-la. Sei que não vai tardar e, como tenho um medo mortal disso, tento conter-me, mas a raiva domina todo o meu ser. E ela está na mesma situação, ou pior, porque interpreta ao contrário todas as minhas palavras, dá-lhes um falso sentido; cada palavra dela sai-lhe impregnada de veneno; alfineta-me nos pontos mais dolorosos. E tudo vai de mal a pior. Grito:
- Cala-te!

Matei-a porque me pertencia.

Errata
onde se lê:
Matei-a porque me pertencia.
deve ler-se:
Matei-a porque não me pertencia.

Anónimo disse...

Matei-o porque doia-me a cabeça. Ele veio falar-me, sem descanso, de coisas para que eu estava absolutamente nas tintas. É a verdade, embora talvez elas me tivessem podido interessar. Antes de o fazer olhei, ostensivamente, seis vezes para o relógio, ele não ligou nenhuma.