quarta-feira

Ontem, dia 26, o Pai faria 65anos
Lembrando Ele, e lendo Fernando Pessoa
Aqui deixo um pouco do Pessoa que me lembra o Pai
A todos os que Amo.

"Tínhamos acabado de jantar. Defronte de mim o meu amigo, o banqueiro, grande comerciante e açambarcador notável, fumava como quem não pensa. A conversa que fora amortecendo, jazia morta entre nós. Procurei reanimá-la, ao acaso, servindo-me de uma ideia que me passou pela meditação. Voltei-me para ele, sorrindo.
-É verdade: disseram-me há dias que você em tempos foi anarquista...
-Fui, não: fui e sou. Não mudei a esse respeito. Sou anarquista.
-Essa é boa! Você anarquista! Em que é que você é anarquista?... Só se você dá à palavra qualquer sentido diferente...
-Do vulgar? Não; não dou. Emprego a palavra no sentido vulgar.
-Quer você dizer então, que é anarquista exactamente no mesmo sentido em que são anarquistas esses tipos das organizações operárias? Então entre você e esses tipos da bomba e dos sindicatos não há diferença nenhuma?
-Diferença, diferença, há... Evidentemente que há diferença. Mas não é a que você julga. Você duvida talvez que as minhas teorias sociais sejam iguais às deles?...
-Ah, já percebo! Você, quanto às teorias, é anarquista; quanto à prática...
-Quanto à prática sou tão anarquista como quanto às teorias. E quanto à prática sou mais, sou muito mais anarquista que esses tipos que você citou. Toda a minha vida o mostra.
-Hein?!
-Toda a minha vida o mostra, filho.
Você é que nunca deu a estas coisas uma atenção lúcida. Por isso lhe parece que estou dizendo uma asneira, ou então que estou brincando consigo.
-Ó homem, eu não percebo nada!...
A não ser..., a não ser que você julgue a sua vida dissolvente e anti-social e dê esse sentido ao anarquismo...
-Já lhe disse que não - isto é, já lhe disse que não dou à palavra anarquismo um sentido diferente do vulgar.
-Está bem... Continuo sem perceber...
Ó homem, você quer-me dizer que não há diferença entre as suas teorias verdadeiramente anarquistas e a prática da sua vida - a prática da sua vida como ela é agora?
Você quer que eu acredite que você tem uma vida exactamente igual à dos tipos que vulgarmente são anarquistas?
-Não; não é isso. O que eu quero dizer é que entre as minhas teorias e a prática da minha vida não há divergência nenhuma, mas uma conformidade absoluta. Lá que não tenho uma vida como a dos tipos dos sindicatos e das bombas - isso é verdade. Mas é a vida deles que está fora do anarquismo, fora dos ideais deles. A minha não. Em mim - sim, em mim, banqueiro, grande comerciante, açambarcador se você quiser -, em mim a teoria e a prática do anarquismo estão conjuntas e ambas certas. Você comparou-me a esses parvos dos sindicatos e das bombas para indicar que sou diferente deles. Sou, mas a diferença é esta: eles (sim, eles e não eu) são anarquistas só na teoria; eu sou-o na teoria e na prática. Eles são anarquistas e estúpidos, eu anarquista e inteligente. Isto é, meu velho, eu é que sou o verdadeiro anarquista. Eles - os dos sindicatos e das bombas (eu também lá estive e saí de lá exactamente pelo meu anarquismo) - eles são o lixo do anarquismo, os fêmeas da grande doutrina libertária." (...)

do Banqueiro Anarquista de Fernando Pessoa.

de Arnaldo Antunes

O Sol

"Nessa época o Sol é mais frio
Porque ele se divide em mil
Mas para lá de Janeiro
Ele volta a ficar inteiro

Agora o Sol parece uma laranja madura
Porque ele está sem pintura
Mas quando entra Março
Parece a cara de um palhaço

Tem dias que o Sol vai embora
Tem noites que não tem aurora
Às vezes ele fica no Japão
E só volta quando chega o verão

Agora que o Sol está bravo
Parece uma moeda de um centavo
Mas quando se alegra o Sol
Fica maior que uma bola de futebol

O Sol está brilhando muito claro
Porque hoje é o seu aniversário
Nesses dias ele quase cega
E quem é cego quase enxerga

O Sol está sempre ali no céu
A terra é que faz o carrossel
De noite o Sol apaga sua chama
E dorme debaixo da minha cama"

terça-feira


Se deixares uma fresta aberta
Atenção que sou pequeno
Não hesitarei em tentar entrar
Existe uma curiosidade infinita em mim
Assim a sinto neste momento, infinita
Vislumbro tanta beleza em ti.
Até desconfio da minha percepção
mas para mim, aqui, agora, tu és lindA
Bela e cativante, um lugar onde existir.
Algo que existe...
mesmo que uma fresta, uma porta, uma parede branca.

quinta-feira


Todos Nós temos uma Mente.

A Nossa, Mente!





O Sino toca, e pára. Demora
O Tempo que levo a escrever, Sino
O som penetra-me, marca a hora
Chegou o tempo de abraçar o destino

Existe um espaço entre Nós
A ser percorrido ao contrário

Tu acenaste, deste um passo e após
Eu acreditei, era Eu o destinatário!


Eu não preciso de nada
Tudo o que poderia necessitar
Existe em abundância ao meu redor
E o resto, reside em mim, ou em ti.


Nada me faz falta
Aquilo que falta
Nada faz, a falta
Apenas desfaz


Não sou nenhuma função
Não linear com limites infinitos
Onde a soma, de desejos e expectativas

Quando realizados, me faz avançar
Ou a subtracção dos mesmos
Quando gorados, recuar.


Se fosse uma realidade matemática
Seria uma equação
Com mil e uma incógnitas
Tenho e gosto de questões
E o encontro é sempre a solução.

As Musicas 5estrelas no iPod:

Anywhen – The Opiates – Dinah and the Beautiful Blue
Artur Pizarro – Beethoven Piano Sonates – Piano sonata No.14 Op.27 No.2 “Moonlight” in C sharp minor
Brad Mehldau – The Art of the Trio – Exit Music (for a film)
Cartola – Cartola – O Mundo é um Moinho
Cartola – Cartola – Preciso Me Encontrar
Christopher O’Riley – Hold Me To This – No Surprises
Evgeny Kissin – Moonlight Sonata – Piano Sonata in C sharp, op.27 nº2 “Moonlight”
Evgeny Kissin – Moonlight Sonata – Presto Agitado
Jacques Brel – Quinze Ans D’Amour – La Chanson Dês Vieux Amants
José Afonso – Colectânea – Cantigas de Maio
Nina Simone - Four Women: The Nina Simone Philips Recordings Disc 2 – Feeling Good
Perry Blake - Broken Statues – Genevieve
Radiohead – Kid A – Idioteque
Radiohead – Live At le Réservoir, Paris – Everything in its Right Place
Radiohead - Live At le Réservoir, Paris – Fog
RJD2 – Deadringer – Ghostwriter
Ryuichi Sakamoto – Moto.Tronic – Forbidden Colours
Ryuichi Sakamoto – Moto.Tronic – Insensatez
She Wants Revenge – She Wants Revenge – Out of Control
She Wants Revenge – She Wants Revenge – Tear You Apart
Sia – Exit Music (Radiohead Tribute) – Paranoid Android
Sigur Rós – Ágaetis Byrjun – Svefn g Englar
The Smiths – The Very Best of The Smiths – I Know It’s Over
Toquinho e Vinícius – 10 anos sem Vinícius – O Velho e a Flor
Toquinho e Vinícius – 10 anos sem Vinícius – Nature Boy
Vários Artistas - Soundtrack from In the Mood for Love - Yumeji's
Vários Artistas - Verve Unmixed V.3 - Speak Low
Vinicius, Marilia Medalha, Toquinho - 10 Anos Sem Vinicius - Como Dizia O Poeta
Vive la Fête - Republique Populaire - Lemon Incest


Banda Sonora da Manhã:

Pascal Comelade – Cabaret Galactic – Moritat von Mackie Messer
Yann Tiersen – Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain – La Valse d’Amélie (Version Piano)
Pulp – Hits – A Little Soul
Paulo Ricardo – Tom Jobim Lounge – How Insensitive (Insensatez)
Perry Blake – Broken Statues – Genevieve
Sofa Surfers – Ambient Lounge 2 – Sofa Rockers
Ficherspooner - #1 – Emerge
Caetano Veloso – Fina Estampa – Vuelvo ao Sur
Lalo Schifrin – Strictly Breaks vol.4 – Danube Incident

É verdade que te isola do mundo, uns fones nos ouvidos... o som da realidade passa a ser a musica que ouves e gostas, e mais ninguêm ouve a mesma musica. E tu não ouves mais ninguêm. É como se caminhases no ar.

Só que o filme mental que quase diariamente fazemos à nosso volta, deixa de ser assim tão mental. Pelo menos para mim, dou por mim, e dou muito mais atenção ao que me rodeia, a observar os mais pequenos pormenores, do presente, a senhora que bate com a colher do café na chavena, três vezes. UM DOIS TRÊS. Ao ritmo da banda sonora que escolhi. A rapariga que avança a correr pelo passeio, fora do ritmo, atrassada, a fugir da chuva talvez. E quando a velocidade a faz virar a esquina ao fundo e eu a perco de vista, muda a musica, Emerge. E a chuva aumenta ao som, ao ritmo,You don't need to Emerge from nothing, You don't need to Tear away.

Mas à velocidade que ela ia... já deve estar longe. E derrenpente a chuva é tanta, e toda a gente fugiu e eu estou sozinho a caminhar pela Ferreira Borges. Tenho um segundo de silêncio, Pausa, o barulho da chuva na rua deserta, um violoncelo toca e o Sr.Caetano Veloso fala em voltar para o Sul. A chuva acalma, vem o Brasil à memória, Um senhor de fato e gravata abre o seu guarda chuva à saida do café, a banca dos jornais está cheia de gente que não quer saber do que se passa no mundo dos outros, quer é não ficar molhado neste mundo que é nosso. Fico parado à porta do café deixo sair o senhor e duas senhoras já de idade avançada. Entro no café e sento-me a um canto.

Quando o empregado brasileiro se aproxima, retiro um fone, peço um galão e uma sandes de fiambre, com manteiga. Quiero al Sur, su buena gente, su dignidad, siento el Sur, como tu cuerpo en la intimidad. Vuelvo al Sur, llevo el Sur, te quiero Sur, te quiero Sur... Ainda ouço Lalo Schifrin com um toque de Portishead a compassar o toque da colher na chavena, antes de desligar o iPod.



quarta-feira

Como Matar Dois Gatos de Um Salto Só!

Como matar dois gatos de um salto só, sem deixar rastro nem sujar as mãos. Esta é a receita de hoje.

Colocar um obstáculo relativamente alto, mais ou menos um metro e meio de altura, no centro de uma varanda. É importante a varanda ser alta também, existem relatos verídicos de gatos que saltaram de um quinto andar e não morreram.

Este obstáculo deve ter maneira de ser ultrapassado, sem ser necessário saltá-lo, puderá ser apenas um pequeno buraco, por onde um gato adulto consiga passar, mas com alguma dificuldade.

Todos sabemos que uma das características mais fortes dos felinos, é a sua curiosidade, talvez seja mesmo a característica mais marcante, mais que serem pardos de noite, ou reactivos, mesmo que muitas vezes a reacção seja a aparente indiferença.

Portanto é certo que sem esforço, o primeiro gato, mais tarde ou mais cedo, vai passar por esse buraco e refugiar-se do outro lado, o outro gato de início não irá, mas quando no momento seguinte o lado de lá estiver vazio, este, o gato, irá explorar ele também os recônditos lugares que existem para lá deste buraco. Do lado de lá do obstáculo.


Com o tempo, e a paciência necessária para atingirmos os nossos objectivos, o dia vai chegar, vai chegar o dia em que ambos os gatos vão passar de cá para lá e de lá para cá, sem problemas, vão estar até, os dois do lado de lá, disputando territórios.

E depois, bom depois vão querer passar ambos ao mesmo tempo, e depressa, e então, vai haver um deles que vai saltar o obstáculo, e vai perceber que o obstáculo é muito mais fácil de ultrapassar saltando-o, do que usando um pequeno buraco para o mesmo fim.

Nesta fase devemos esperar que o outro gato tam
bém adopte a mesma estratégia, contra as dificuldades que encontramos na vida, saltamos por cima delas.

Com um pouco de treino e a nossa estimulação, os gatos vão ganhar um bom treino para saltar sempre por cima dos obstáculos que forem encontrando, para estimular um gato, nada melhor que correr atrás dele, coisa que eles não apreciam lá muito, podemos também gritar com eles. Eles vão fugir e saltar o obstáculo a correr para se refugiarem do aparente perigo, no lado de lá.

Depois vem o passo mais importante da estratégia, o último passo é sempre o mais importante, o definitivo. Temos que empurrar o obstáculo até uma das beiras da varanda, e nesta altura, devemos correr atrás dos gatos e esperar que eles saltem o obstáculo a correr e aterrem uns andares a baixo, mortos se tudo correr bem.

Se os gatos forem espertos e não saltarem por cima da unica prova do crime, tendo se apercebido que a distância que percorreram até à mesma, perfaz a verdadeira grandeza da varanda, decidindo então enfrentar o perigo. Só resta uma alternativa: agarrar num gato de cada vez, mesmo sabendo que talvez nos arranhem, e atirá-los pela varanda. Nesta segunda estratégia convêm atirá-los com força, para eles não conseguirem cair de pé.

O problema agora, é que assim somos obrigados a tomar uma iniciativa clara, uma decisão, e por isso vamos carregar com o peso na consciência, e mais, temos que escolher qual dos gato matar primeiro. Por isso, a resultar, a primeira estratégia é bem melhor, é que afinal de contas se eles saltarem, saltaram porque quiseram ou porque em vez de gatos, foram burros.


FRASES FAMOSAS 1

CHAPÉUS HÁ MUITOS











































E não é que há mesmo muitos!! Chapéus, cabeças, perucas, pensamentos, consciências, ideias, conceitos, piolhos, shampoos, sentenças, percepções, ilusões, noções, juizos, sombreiros, espíritos, cérebros...
Eu sei lá, existe um cem número a multiplicar e elevado a toda a potência de cada um de nós!!

terça-feira

Fui ver Cat Power. Infelizmente não gostei. Mas lá está, tinha uma expectativa enorme, adoro os cd’s, acho-a linda, sempre que vi em vídeo as suas actuações fiquei estonteado.

Só que o som estava muito mau, não é possível gostar dela sem a ouvir, e ela não se ouvia simplesmente. Foi pena.

Já faz muito tempo na minha vida em que quis ser o maior, The Greatest, hoje estou muito longe de qualquer julgamento comparativo, já não quero ser melhor ou pior que o julgamento que faço do outro, já não me comparo constantemente com o que me rodeia, olho muito para mim mesmo e tento diariamente sentir-me melhor com o que encontro em mim e com a forma, verdade, aceitação e compaixão com que me dou ao outro.

Na verdade não compreendo o confronto, tanto o interno, aquele que constantemente criamos com nós mesmos, como o externo, aquele que quase sempre construímos com o que nos rodeia, que normalmente é sempre o que está mais a jeito, para fugirmos de olharmos para o nosso interior e conhece-lo, aceitá-lo e mudá-lo, sem confronto, sem luta.

Quase sempre o que damos à vida, recebemos em dobro.

Nem sei muito bem o porquê de estar a escrever estas palavras, depois do concerto, mas hoje é o que sinto. Um vazio calmo, perplexo. Fico estupefacto com a convicção com que se cometem certos actos. Fico boquiaberto com a brutalidade com que se assumem verdades ridículas. Fico suspenso num mundo estranho àquele em que habito. Suspenso na irrealidade do meu sentir acerca da verdade que o outro me transmite, e assim me despeço, sem mais demora, não existo nesse mundo, não quero existir nesse mundo e nem sequer consigo existir nesse mundo, por isso, adeus.


Ontem li que morrem muito mais cavalos em noite de lua cheia, ninguém consegue explicar o porquê, mas a estatística (ciência biquini, mostra quase tudo, mas esconde o essencial) prova a verdade dos números. Fiquei a pensar no assunto. A lua sempre me influenciou, confesso que até já penso ser uma das razões primordiais de estar a escrever este post hoje, está lua cheia. Quando a lua está cheia, eu estou cheio também, e estou cheio do sentimento mais verdadeiro que existir em mim no momento. E por isso hoje estou cheio de vazio e de perplexidade.

Até amanhã.

domingo

Ontem não consegui evitar, apesar do preço dos livros ser um roubo.
Comprei o último livro do Haruki Murakami, o último que saiu por terras lusas.
Crónica do Pássaro de Corda.
Já li o Sputnik meu Amor, que gostei, apesar de não me ter maravilhado, a verdade é que me cativou. Normalmente quando gosto de um autor, gosto de ler mais que um livro dele. No meu aniversário, a amiga Libelinha, ofereceu-me o Kafka à beira mar, penso que sem saber muito bem o que me estava a dar a ler. Amei.
Só que o livro é grande, e então pensei... vou ler primeiro o Sputnik, que é mais curto, se gostar da escrita deste japonês... a
venturo-me a ler o Kafka.
Li os dois, de seguida, sem parar. Kafka à beira mar é genial.
E Ontem comprei este último que já comecei a ler.

"Toru Okada, um jovem japonês que vive na mais completa normalidade, vê a sua vida transformada após o telefonema anónimo de uma mulher. Comaçam a aparecer personagens cada vez mais estranhas em seu redor e o real vai degradando-se até se transformar em algo fantasmagórico. A percepção do mundo torna-se mágica, os sonhos invadem a realidade e, pouco a pouco, Toru sente-se impelido a resolver os conflitos que carregou durante toda a sua vida."
Pode ser que esteja a ficar mesmo muito doido, mas parece
-me que conheço esta história muito bem, vou ler e depois logo vejo.

segunda-feira

PASTELARIA

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
-ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos
frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente

Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny


Faço das afirmações do poeta
as minhas dúvidas.

E afinal o que importa?

Importa não ter medo sem dúvida

Não posso me preocupar com o todo
nem sequer o particular consigo abraçar

No meio das aparências
Por entre critérios
O poeta aponta-me o dedo

Afinal o que me importa?

Importa-me viver sempre, e um dia
Importa-me ter nesse dia 154cm de profundidade
Importa-me lá chegar sem dor e peso e em paz descansar.

Importa-me amar.

fotografias da experiência do Dr.Masaru Emoto - "Messages from Water"

sexta-feira

Por vezes, na verdade diversas vezes, levamos paulada da vida.
Como diz o Sérgio, a principio é triste, andase sozinho.
Depois achamos que crescemos, que já somos adultos, uns senhores, e que já sabemos como é a vida. Deixamos-nos de lamechiches e a vida é tão somente uma sequência lógica de acontecimentos que tentamos controlar, afastamos as memórias tristes que teimam em aparecer e acordamos todos os dias, para mais um dia, e chamamos vida a isso.
Até que, num momento qualquer, um número qualquer de horas, dias, noites...
Puff!!!
Voltamos a ser crianças.
Cantamos música na Rua, uma qualquer Rua, uma qualquer Musica.
E a minha de hoje, na Rua dos Prazeres foi:

A MinhA MeninA

MutAntes

ComposiçÃo: Jorge Ben

ElA é minhA meninA
Eu sou o menino delA
ElA é o meu Amor
E eu sou o Amor todinho delA
A luA prAteAdA se escondeu
E o sol dourAdo ApAreceu
AmAnheceu um lindo diA
CheirAndo A AlegriA
Pois eu sonhei
E acordei pensAndo nelA
Pois elA é minhA meninA
E eu sou o menino delA
ElA é o meu Amor
E eu sou o Amor todinho delA

A roseirA jÁ deu rosAs
E A rosA que eu gAnhei foi elA
Por elA eu ponho o meu coraçÃo
NA frente dA rAzÃo
E vou dizer
PrA todo mundo
Como eu gosto delA
Pois elA é minhA meninA
E eu sou o menino delA
ElA é o meu Amor
E eu sou o Amor todinho delA

ElA é minha meninA
Eu sou o menino delA
ElA é o meu Amor
E eu sou o Amor todinho delA
A luA prAteAdA se escondeu
E o sol dourAdo ApAreceu
AmAnheceu um lindo diA
CheirAndo A AlegriA
Pois eu sonhei
E Acordei pensAndo nelA
Pois elA é minhA meninA
E eu sou o menino delA
ElA é o meu Amor
E eu sou o Amor todinho delA

A roseirA jÁ deu rosAs
E A rosA que eu gAnhei foi elA
Por elA eu ponho o meu corAçÃo
NA frente dA rAzÃo
E vou dizer
PrA todo mundo
Como eu gosto delA
Pois elA é minhA meninA
E eu sou o menino delA
ElA é o meu Amor
E eu sou o Amor todinho delA
MinhA meninA,
MinhA meninA...


E pronto, voltamos a ser o que os "crescidos" chamam de lamechas, brincamos à chuva e temos prazer nisso.

Quem por acasso aqui passar para ler, que seja feliz, que saia daqui com um sorriso nos lábios, pelo menos tão sentido, bonito e "parvo" como o meu.

Beijos e Abraços a Todos.

Questiona-me, dúvida de mim, não quero dizer com isto para não acreditares no que te escrevo, ou não acreditares no que mostro, te dou.

Não aceites o que recebes de mim, sem o sentir, sem o questionar. Nada em mim é inquestionável, tudo é contraditório. Eu sou paradigma mente, um paradoxo, constante na impermanência.

Ajuda-me a não ter tantas certezas, que mais cedo ou mais tarde, mas inevitavelmente, vão cair, qual castelo de cartas, qual domino, neste jogo que me parece não conseguir deixar de jogar, e que consiste em competir eu com as minhas certezas contra mim mesmo e as minhas duvidas.

Ajuda-me a não estar sempre renitente em relação ao futuro, teimoso no que ao presente diz respeito. Mostra-me sempre o teu ponto de vista, não tentes fazer do meu, teu.

Concorda quando concordares, discorda se discordares, partilha.

Leva-me ao teu mundo, vem passear comigo no meu. Tentemos fazer estas viagens de mãos dadas. Chama pela minha atenção, cativa-me.

Vem, mas não tragas muitas fantasias, vem aberta a conhecer o meu mundo, senti-lo, cheira-lo, toca-lhe, tenta decifra-lo no teu muito próprio método de decifrar códigos, palavras, encontros. Deixa-me tentar fazer o mesmo no teu. Se o fizeres vais mostrar-me uma outra forma de me ver, vais me apresentar um outro, eu. Se o conseguires vais me presentear com o teu reflexo de mim, um outro eu, o que vislumbras, o que procuras admirar e gostar. E quem sabe eu também consiga amar esse novo, eu, o eu que vislumbras. Mas vem, e deixa-me chegar a ti, de avião, de comboio, de bicicleta ou a nado, tanto faz, vem simplesmente.

Há dias, alguém, já muito especial, e mais uma vez a vida vem me mostrar que o tempo é mesmo relativo, afirmou sobre mim: cheio de duvidas o menino.

Tenho muitas, gosto delas, das dúvidas, das questões, dos porquês, sou um ser pragmático na eterna falta de prática em viver, sou um ser racional na constante emoção e sensação à flor da pele, de estar vivo.

E pronto, lá vou eu seguir viagem com o meu camarada pragmático e racional, a dúvida de hoje é ela mesmo, a própria, afinal o que é a dúvida?

A dúvida é a incerteza sobre a realidade de um facto ou verdade de uma asserção, e uma asserção é o quê? Uma afirmação, uma proposição afirmativa ou negativa enunciada como verdadeira, uma alegação.

Para tudo. Aqui, Aí, Agora ou nesse momento.

Que quero eu saber sobre a incerteza dos factos? Se os factos foram, estão e serão sentidos e vividos, não pode existir incertezas nisso, Eu senti, Tu sentiste, Nós sentimos. Ponto Final. Eu sinto, Tu sentes, nós sentimos, virgula, e virgula porquê? Porque a virgula é tão somente uma pequena pausa de espera, espera para respirar e continuar, continuar a ler, continuar a viver, continuar a sentir, logo, Eu sentirei, Tu sentirás, nós sentiremos.

Não restam dúvidas, nem sequer existem certezas, o camarada pragmático e racional está de férias, volta noutro dia para continuar esta brincadeira.

terça-feira

Álvaro de Campos

Às Vezes

Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...




Ainda ia longe, do lugar já marcado na minha memória, por um passado muito recente. Mas, mais uma vez, pergunto: quanto tempo tem o presente?

No espaço materializado, na realidade tangível, ia a descer, como quem vem do Largo do Rato em direcção à Estrela.

No tempo cronometrado, quantificado, ia na vigésima primeira hora, do vigésimo dia, do décimo primeiro mês, do milésimo segundo e sexto ano, contados a partir do senhor que foi crucificado.

Só que em pensamento, não só já não me encontrava entre os ratos e as estrelas, como o tempo já pouco ou nada interagia comigo.

Sabia que era noite, que a lua prateada já iluminava o meu caminho e isso era o bastante.

descia de quem vem de Paço de Arcos e vai em direcção a Oeiras.

Marginal.

Ia à margem dos que me rodeavam, e tantas vezes me sinto viver assim, Marginal, à margem do que aparentemente me envolve, num mundo difícil de descrever, feito de uma mistura sem fim de espaços, tempos e sentimentos, com múltiplas dimensões.


Fiz várias vezes aquela descida, até a ter feito realmente e voltei a faze-la mais uma qualquer quantidade, irrisória por ser quantidade, de vezes.

Mas sabes? Tu sabes, nem uma única vez, fiz a descida realmente como a fiz em pensamentos.

E mesmo agora, depois de ter feito a descida, mas a subir, voltei a não a fazer.

Um dia descemos juntos.


segunda-feira

Existem filmes assim, vivos. Por mais vezes que os veja, são sempre novos. In The Mood for Love é um deles, de cada vez que o vejo sinto algo novo, capto uma nova ideia, uma nova sensação, um significado.
É uma entidade viva que comunica comigo, é a minha percepção que faz o filme, é a imagem, é a musica, é o tempo.
Este sabado voltei a vê-lo, e mais uma vez o que vi, o que senti e o que pensei foi novo.
É como o amor, existem amores assim, vivos, de cada vez que encontras o teu amor ele é sempre o inesgotável mistério, a plena sintonia.
In The Mood for Love, no título em inglês, Disponivel para Amar em português, ou disposto a amar, ou a possiblidade de amar, ou simplesmente duas pessoas que se encontram, que se tocam e que partilham.
Existem relógios, mas não são eles que marcam o tempo, que carimbam a memória. São os maravilhosos vestidos delA. E tantas vezes assim é, já não te lembras bem em que dia foi, ou que horas eram, mas lembras-te que ela estava vestida com aquela saia vermelha, esvoaçante, enebriante. E tu de subito eras pequeno por entre tanta luz.
As mãos, o toque. Palavras para quê? afinal? o que me marca, o que guardo em mim, não são as palavras que disse ou que não disse, não são as afirmações ou questões que ouvi. O que guardo mesmo do meu encontro com o outro, com o mundo, é o calor, a textura e o cheiro, o seu gosto, o som do seu movimento ou o silêncio da sua presença em mim.
Como é bonito o toque no filme, subtil, diz tudo, o que aquele que apenas estiver aberto a entender as palavras não percebeu, o que quem sente reconhece com prazer, até com nostalgia do futuro.
Se ainda não viste, vê. Se já viste, vê. Se ainda não amaste, ama. Se já amaste, ama. Ama simplesmente.