quinta-feira

"O que será que será
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam susurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados, que com certeza
Está na natureza, o que será, que será
O que não tem certeza, nem nunca terá
O que não tem concerto, nem nunca terá
O que não tem tamanho

Q que será que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está nas romarias dos mutilados
Que está nas fatasias dos infelizes
Está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos, dos desvalidos
Em todos os sentidos O que será, que será
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido

O que será que será
Que todos os avisos não vão evitar
O que todos os risos vão desafiar
Porque todos os sinos vão repicar
Porque todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos irão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E mesmo padre eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno vai abençoar
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo

O que será que me dá que me bole por dentro
Será que me dá
Que brota a flor da pele será que me dá
E que me sobe as faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo me faz implorar
O que não tem medida nem nunca terá
O que não tem remédio nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente que não devia
Que desacata a gente que é revelia
Que é feito aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos toda alquimia
Que nem todos os santos será que será
O que não tem descanso nem nunca terá
O que não tem cansaço nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro será que me dá
Que me perturba o sono será que me dá
Que todos os ardores me vem atiçar
Que todos os tremores me vem agitar
E todos os suores me vem encharcar
E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem juízo"


(Chico Buarque)

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