terça-feira


Sei que lês, lês porque escrevo, lês porque sabes ler e escrever, aliás como eu, estás sempre aqui, presente, a ler ou escrever, feliz ou infeliz, estás sempre presente, mais uma vez como eu. Quase nunca paras para ver, julgas que estás sempre a pensar, na verdade estás sempre é a deixar o tempo passar, o mesmo tempo que pensas não existir, deixas fugir o presente para um passado qualquer, que só eu sinto conhecer realmente, sem conseguires olhar um futuro concreto, vives a construir ilusões de futuro no presente e parece-me que só eu vivo realmente neste tempo.

Temo a solidão, vivo a procurar-me em lugares que não exploras, porque na verdade estás constantemente num limbo, num lugar onde julgas viver, onde julgas que escrevo e lês onde não existo, porque anulas a minha própria existência. É a velha questão do Ovo e da Galinha, é a velha questão do Eu e do Outro, da Verdade e da Mentira, do Bem e do Mal, do Certo e do Errado, do Branco e do Preto, do Cheio e do Vazio, dos Opostos, do Poder, da Dualidade. Sempre presente, a torturar a tua suposta eloquência sobre a vida e os porquês das coisas.

Nasceste num determinado dia, em qualquer lugar, no mesmo dia e no mesmo lugar que eu, os diversos presentes que ocorreram na tua vida foram-te criando, moldando, alimentando, concebendo, assim como a mim. Nunca os sentiste como tão influentes na tua forma de viver, de sentir, de pensar, porque sempre encaraste a vida como um presente fugaz, onde o passado é memória e o futuro ilusão, assim, acabas sempre por chegar ao lugar nenhum, aqui, ao tempo parado, ao mais doloroso momento da dor parada num tempo eterno, aqui.

Engano-me ao escrever, cometo erros, enganas-te ao ler, julgas ver-te nestas linhas, mas também não estou aqui, nem estás aí, provavelmente estás onde não está ninguém, nem tu mesmo, nem eu mesmo, porque aí, onde lês, e aqui, onde escrevo, onde julgas viver, não deixas ninguém estar, somente a minha própria ilusão de ti mesmo, assim julgas conseguir fugir dos meus males, das minhas dores, das minhas frustrações, julgas que as tuas certezas, o teu poder, a tua racionalidade são tudo. Pensaste que conseguias ser mais forte que a dor, e talvez vás continuar a pensar, tinhas a certeza que ias conseguir ser mais forte que eu, que eu nunca mais te vinha visitar, não consegues perceber que a dor é na sua mais dura realidade a única ponte que deixas existir entre tu e eu mesmo. Eu sinto que só vives na dor, tu pensas que ela nem sequer existe, é racionável, quando ela te dá uma trégua momentânea, voltas ao mesmo, o tal limbo do deixar o tempo fugir.

Não penses que te trato pela segunda pessoa do singular por estar à vontade contigo, dirigia-me mais facilmente ao Outro desta forma, trato-te assim para ver se te ouves, se eu me oiço, se te encontras, se me encontro, para perceber que existe Um caminho real, para ti e para mim, não quero é usar a primeira pessoa do plural, por ser plural, e a pluralidade que existe em ti e em mim, só conseguiu foi destruir momentos, aniquilar o presente ou em ilusões não vividas ou em revoltas e desesperos exagerados.

Contudo não escrevo só para ti, que lês, agora, escrevo também para o Outro que vai ler e para eu reler também, um dia, talvez, quem sabe, tu tens a certeza que sim, eu desesperadamente duvido, escrevo também para Ele e também é a Ele que quero contar esta história, e por mais que não o sinta agora e que tu nunca o tenhas sentido, Esta história é nossa, minha e tua, tu é que não deixas-te que fosse do Outro, Dele, e como eu queria que esta história fosse Dela também, só não quero é que sejas tu o narrador, até tenho medo que o venhas a ser mais à frente, talvez vá ser a prova que mais uma vez eu escrevi, eu contei, eu senti, eu vivi, o passado; e tu voltaste a conseguir submergir e anular-me, voltaste a conseguir sobreviver num presente que não deixas existir, pensando que deixei de existir nesta história, se te tornares o narrador, esta história passa a ser só tua, procuras o poder. A única forma de seres o narrador desta história, para a história vir a ter um presente e um final feliz, é se tu e eu finalmente entendermos e aceitarmos esta história como nossa, de outra forma vai sempre continuar a ser a mesma história que foi até agora, esta história, velha.

1 opiniões:

A disse...

:)

Curioso e muito engraçado como de repente
eu sou o Outro
eu sou o Tu
e eu sou o Eu

no teu texto
(que já tinha lido, confesso, mas que não cheguei a comentar)
no teu magnífico texto
que fala de Presente, Passado, de Futuro.

Fala de Dor, de Amor, de Existência e da beleza rara que corre nas tuas veias, nas veias de alguém que pensa muito, imenso
que já amou muito, imenso
que sente, apesar dos guardas...

Muito. Imenso. Tremendo.

As histórias são sempre quase todas muito iguais e semelhantes, mas como dizer ao coração que a alma não se enganou mais uma vez quando de repente se revê na sua gémea?...

Beijos 3X
(pelo Eu, pelo Tu e pelo Outro)