quarta-feira

Chegou a casa e veio o caminho todo a sentir uma estranha melancolia, ao abrir a porta sentiu um frio na espinha, um sinal de presságio, um pressentimento.
Algo não estava bem dentro daquela casa. Muito tempo tinha passado, ele já não vivia naquela casa há oito anos e no entanto foi para lá que se dirigiu todo o caminho.
A casa estava na mesma, a grande sala com o sofá em forma da letra L, metade de um quadrado, e mesa de vidro no centro, o grande caixão de madeira com a televisão em cima e cheio de lixo e tralha que todos sabiam ir acabar um dia no lixo, quando finalmente a casa fosse vendida.
À direita de quem entra, à sua direita quando entrou, o cheiro a comida a ser feita vinha da cozinha, misturado com o cheiro a cigarro da mãe a cozinhar.
Quando entrou a mãe chamou por ele, ele respondeu afirmativamente à chamada, mas o chamamento foi mais um motivo para alimentar a conjectura, alguma coisa não estava certa ali, aquela já não era a casa deles, porque estariam ali? A viver um dia banal como se o tempo não tivesse passado, ou melhor, estavam ambos oito anos mais velhos logo o tempo tinha passado, mas o passado teria que ter sido outro, porque no passado real que perfaz este presente tangível, a casa foi vendida.
Com medo e sem saber sequer do quê, encaminhou-se à cozinha. Sentiu no chamamento da mãe, mais que uma pergunta se seria ele a chegar, percebeu no tom que a mãe usou para dizer o seu nome, um pedido de ajuda.
A cozinha estava na mesma, os mesmos velhos e queimados pelo óleo das batatas fritas, móveis, a mesma torta e queimada pela fogueira de jornais, mesa de fórmica redonda e branca ao centro. A mesma porta já sem vidro, resultado da fúria de umas calças brancas que da maquina de lavar saíram cor de rosa, que dava aceso à marquise. O mesmo vão já sem porta, em frente ao vão de entrada da cozinha e que dava aceso à casa de banho e ao quarto da empregada.
A mãe preparava o jantar como se o dia fosse o mesmo ou pelo menos o mais parecido possível com o anterior, com a memória que existe no presente dos dias banais que foram vividos naquela casa.
Ao entrar na cozinha a mãe olhou para ele e com um peso no ar pediu-lhe ajuda.
Estão duas mulheres mortas no quarto da empregada, preciso que faças alguma coisa com os fios eléctricos que estão na despensa e que consigas lhes dar vida pelo menos por uns minutos, visto vir ai o director geral medir os metros quadrados do quarto, e como calculas ele não pode sequer imaginar que as meninas estão mortas.
Não percebeu nada da conversa da mãe, mesmo assim passou o vão já sem porta e à sua esquerda estava a porta do quarto da empregada, aberta.
O quarto não estava igual ao de sempre, ao invés de uma cama junto à parede da entrada, agora existiam duas camas, lado a lado. Em uma das camas estava deitada uma mulher morena, entre os vinte e cinco e trinta anos. Na outra cama uma mulher em tudo igual à primeira, mas loira. Nenhuma delas aparentava estar morta, apesar de existir já pó, muito pó por debaixo das duas. O quarto cheirava a flores.
Vês? Estão mortas, não sei o que se passou, nem sequer quem são, cheguei a casa e quando aqui vim deparei-me com este cenário, duas mulheres mortas no quarto dos fundos.
Quando voltou a olhar para a mulher loira, esta abriu um largo sorriso na sua direcção, levantou-se da cama sem a mãe dar por nada, libertava um cheiro intenso a flores e mar, abraçou-se a ele e beijou-o.
Acordou suspenso na duvida do que seria mais aquela noite intensa, rodeado de mulheres vivas ou mortas, rodeado de espaços do passado com o seu corpo do presente.

5 opiniões:

Meres disse...

É um sonho não é luis??Eu conheço essa casa!
beijos

LuisElMau disse...

é um pouco de um sonho, ou algo baseado nos restos de um sonho, que chegaram ao acordar.
e sim, conheces bem a casa.
beijos.

Lucia disse...

Muito intenso este sonho

LuisElMau disse...

tenho andado a sonhar imenso Lucia, e felizmente tenho acordado com algumas lembranças dos mesmos. aproveito para tentar escrever, passar para as palavras o que lembro deles.

Lucia disse...

tb sou assim. tenho um caderno onde os escrevo. o meu plano é um dia usa-los para desenvolver histórias.