quarta-feira

             A nova casa tinha dois andares, ligados por uma escada de vinte degraus, dois lances de dez degraus unidos por um patamar a meia altura.

             A casa antiga era praticamente um corredor, entravasse quase a meio, para a direita tinha a cozinha, em frente a sala e para a esquerda três quartos e duas casas de banho.

             Se todas as portas estivessem abertas, do quarto ele conseguia ver tudo o que se passava em casa. O quê e quem cozinhava na cozinha, o que estava a dar na televisão da sala, o que a irmã fazia no quarto dela, tudo. O corredor tinha uma fila de armários com espelhos nas portas, com a ajuda deles a capacidade de observação era quase total e directamente proporcional à falta de privacidade.

             Cresceu assim, a saber sempre o que se passava à sua volta.

             Depois, a casa nova era tão grande, tão acusticamente isolada que o quarto dele mais parecia uma cela de onde não se via nada e menos se ouvia. Começou por andar a correr pela casa e espreitar às portas, a subir e descer a escada a toda a velocidade, a ir da cozinha para a sala de estar passando pela de jantar.

             Um dia, não sei ao certo se a meio da trigésima terceira ou trigésima quarta volta pela casa, tropeçou no degrau dezoito, contando de baixo para cima, quando ia a descer, ao invés disso, caiu escada abaixo. Partiu uma perna e um braço. A mãe ainda lhe disse que já o tinha avisado, o Pai foi emburrado com ele até ao hospital, a irmã riu.

             Ele passou três meses praticamente deitado no quarto dele. O seu mundo passou a ser apenas o seu quarto, a vista sobre as árvores a rua e o céu através da janela e o que a mãe e a empregada traziam do outro lado das quatro paredes quando lá iam.

             Realizou, que dentro dele havia um mundo muito maior e estranho por explorar, tornou-se um rapaz, aos olhos dos outros, fechado solitário ou tímido.