quarta-feira


Manuela, Cravo e Canela

#01


A carta chegou à caixa do correio, foi num tempo em que já haviam bipes e alguns telemóveis, poucos. Foi num tempo em que já havia Internet mas não era o que é hoje, algumas pessoas já a viviam e investigavam mas era uma minoria muito restrita.
A carta chegou sem aviso prévio ou de recepção e na casa, ou no país, ninguém a esperava.
A carta era sincera e verdadeira, era a carta.
Foi a mãe que a abriu, a carta era destinada a ela, vinha do Brasil e era da sobrinha da mãe, prima do narrador.
Tinha corações no lugar dos pontos dos i’s e por entre linhas e sobre linhas, o que dizia era que a sobrinha queria vir da sua terra natal para Portugal, tentar a vida, mudar de vida, viver, conhecer a família, encontrar-se, ser.
A tia da remetente ou a mãe do narrador, não pensou duas vezes, mandou dizer em resposta à carta que a Manuela devia vir e que teria todo o apoio deste lado do oceano.
Manuela nunca tinha andado de avião, fez escala no Rio de Janeiro e aterrou em Lisboa. Foi recebida pelas tias e entrou em casa com uma mala à frente e outra atrás.
O narrador recebeu-a de cuecas, como se já a conhecesse há tanto tempo, afinal são primos e os voos do Brasil chegavam de madrugada, não havia razão para a receber de outra forma, só uma forma pouco verdadeira. A prima chegou, o narrador estava a dormir, levantou-se, e de cuecas recebeu a Manuela.
Ela veio da terra da carne boa, na sua primeira refeição em Portugal a família quis levá-la a comer carne brasileira, que erro, como se em Portugal existisse carne brasileira da qualidade da carne brasileira que se come no Rio Grande do Sul.
E foi assim que Manuela começou logo ali a perceber que o Brasil tinha ficado sem dúvida alguma, do outro lado do oceano.


Qualquer semelhança com factos reais é pura coincidência, alheia ao autor da novela.