terça-feira

Como Eu Não Possuo

"Olho
em volta de mim. Todos possuem
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas minh’alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei ... perco-me todo ...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo ...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me ?

Como eu desejo o que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor ....
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor ! ...

Desejo errado... se a tivera um dia,
Toda sem véus, carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada
Nem mesmo assim – ó ânsia! – eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados
Se fosse aquele sexo aglutinante ...

Do embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo."

Mário de Sá-Carneiro

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