segunda-feira

Um dia acordou e existia algo novo dentro de si. Apesar de sentir-se cada vez mais afastado da realidade que observava e o rodeava, apesar disso ou quem sabe, devido a isso, sentia-se cada vez mais perto de si mesmo. Ele era a novidade que existia dentro de si, nesse dia em que acordou.
Ganhou uma honestidade consigo que nunca tinha sentido antes.
E por momentos ainda lhe doia.
Ainda lhe doia a incapacidade de partilhar isso contigo, como sonhou um dia, e sonha.
E por momentos ainda lhe doia, o outro não ser a pessoa com que continuava a sonhar, o seu sonho narciso.
Fez mais de trinta anos que sonhou contigo, e já algumas vezes pensou ter-te encontrado. Teve essa ilusão, foi a felicidade e o encantamento que encontrou.
Até acordar vivia o presente descrente.
Era cada vez mais difícil acreditar que podes ser tu, essa pessoa.
Nada era, mas isso doia-lhe, logo, não era o nada, era a dor, a dor que sentia por nada sentir, por se sentir nada.
Se não fosse só ele a existir aqui, pensava, antes de realmente existir. Se tu existisses também aqui, sentia, antes mesmo de conseguir acordar, para além do sonho, para além da realidade.
E se a realidade existisse? e se fosse feliz? sem o sonho, e se conseguisse por uma vez, pelo menos uma vez na sua vida, sonhar com algo completamente irreal ou sonhar acordado.
Era o desejo a infectar o seu sonho e a sua realidade. não encontrou forças nem maneira de terminar com esse desejo que o perseguia, que o acompanhva sempre, desde sempre, em qualquer lugar. Esse desejo profundo de te encontrar ou de ser encontrado por ti, por ti meu Amor, meu Amor eterno, de sempre, desde sempre.
E não era apenas o desejo que existia nele, era a expectativa também, cada vez maior, qual bola de neve. Que a cada desilusão aumentava.
E era o medo, um medo terrível de que a vida fosse apenas e nada mais que uma sequência finita de desilusões, ou que o seu sonho fosse sempre maior que a realidade, logo irrealizável.
Era o outro que não conseguia abraçar e aceitar ou mesmo observar, o outro como ele é.
Era essa imensa vontade de criar e ver poesia em tudo o que existe em si e ao seu redor.
É a beleza que o persegue. E com tanta facilidade vislumbra, mas não a conseguia sentir e viver.
Era esse ser, que sempre parecia acompanha-lo e complicar tudo. E todos os que chegavam perto, afirmavam ser complicado. E que existia em si.
Era o egocentrismo de só conseguir estar centrado no seu ser, no seu pensamento, no seu sentir, sentir narciso.
Mas não só a dor existia na sua vida.
Muitas mudanças boas foram acontecendo, e ele foi conseguindo senti-las, até sentir que tinha acordado. De um pesadelo brutal que tinha durado um tempo indeterminado.
Hoje é uma pessoa com facilidade no carinho, carinhoso, quando abraça não toca apenas, sente o corpo do outro, recebe o seu calor e consegue dar.
Já não mente a si mesmo, já não mente sobre a mentira ou a verdade, para confirmar uma afirmação anterior.
Já não tem pavor em assumir e mostrar os seus erros, ainda que continue a sentir-se um ser especial. Mas hoje é verdadeiramente especial para si mesmo, sem a necessidade da comparação.
Nos primeiros instantes, depois de acordar, ainda se questionou se não seria um problema de percepção, da sua percepção. Achou provável.

Depois sentiu o redondo vocábulo, Amor.

Quando consegues abrir-te à vida
Abraçar a beleza existente nela
Tudo ao teu redor és tu
Ficas completo
Existes.


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